
É uma jogada incomum do xadrez que o jogador tem a sua disposição quando o seu peão está na quinta casa e o adversário tira um peão seu da posição original usando o "salto do peão" (no xadrez, todo peão que está na casa original tem o direito de avançar duas casas de uma vez) e o coloca exatamente ao lado daquele seu peão na quinta casa. Enfim, a jogada consiste em imediatamente (imediatamente e não depois!) deslocar seu peão para a retaguarda do peão adversário andando um casa diagonal e capturando seu peão. Um roubo permitido pelas regras! Enfim, um absurdo! Mas não é isso que eu vim falar...
O xadrez é um jogo antiquíssimo, e muitas lendas contam a sua origem, uma das quais nos diz que foi inventado na Índia. Quando o rei Cheram o conheceu, ficou maravilhado com o engenho do inventor, o seu súdito Seta, e a múltipla variedade de posições que no jogo são possíveis.Mandou então chamar Seta para o recompensar pessoalmente pelo invento. Seta apresentou-se ao soberano vestido com muita modéstia.
- Seta, quero recompensar-te dignamente pelo engenhoso jogo que inventaste - disse o rei.
O sábio agradeceu, mas não aceitou a generosidade.
- Sou rico que chegue para satisfazer todos os teus desejos - replicou o rei. Diz-me a recompensa que desejas e eu te satisfarei.
Seta continuou calado.
- Não sejas tímido, diz o que queres, não hesitarei em satisfazer os teus desejos.
- Grande é a vossa magnanimidade, ó soberano, porém concedei-me um curto prazo para meditar na resposta, e amanhã, depois de árduas reflexões, vos comunicarei o meu pedido.
Quando, no dia seguinte, Seta se apresentou de novo ante o trono, deixou o rei maravilhado pelo seu pedido inaudito.
- Soberano - disse Seta -, mandai que me entreguem um grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro de xadrez.
- Um simples grão de trigo? - retorquiu admirado o rei.
- Sim, soberano, e, pela segunda casa, ordenai que me entreguem dois grãos, pela terceira, quatro grãos, pela quarta, oito, pela quinta, dezasseis, pela sexta, trinta e dois etc.
- Basta - interrompeu o rei, irritado - receberás o trigo correspondente às 64 casas do tabuleiro, de acordo com o teu desejo: por cada sucessiva casinha receberás a dupla quantidade que pediste, porém deverás saber que o teu pedido é indigno da minha generosidade; ao pedires-me tão mísera recompensa menosprezas irreverentemente a minha benevolência. Na verdade, como sábio que és, deverias ter dado maior prova de respeito ante a bondade de teu soberano. Sai daqui, meus servos te darão esse saco de trigo que solicitaste.Os matemáticos da corte trabalharam intensamente para calcular a recompensa de Seta, que ficou à espera à porta do palácio real. Só ao amanhecer do outro dia o matemático chefe da corte solicitou audiência para apresentar ao rei uma informação muito importante:
- Ó rei, calculámos escrupulosamente a quantidade de grãos que Seta deseja receber. Resulta uma cifra astronómica, absurdamente gigantesca.- Seja qual for a sua grandeza - interrompeu com altivez o rei -, os meus celeiros não se esvaziarão, prometi dar a recompensa a Seta, pelo que lha darei.
- Senhor, não depende da vossa vontade cumprir semelhante desejo: em todos os vossos celeiros não existe a quantidade de trigo que exige Seta. Nem sequer em todos os celeiros de todo o reino, nem até nos celeiros de todo o mundo. Se desejais entregar sem falta a recompensa prometida, ordenai que todos os reinos da terra se convertam em lavouras, mandai secar mares e oceanos, que se fundam todos os gelos e todas as neves que cobrem os distantes desertos do norte, que todo o espaço seja totalmente semeado e que toda a colheita seja entregue a Seta. Só então receberá a sua recompensa.
- Dizei-me qual é esse número tão monstruoso de grãos, disse o rei, espantado.
- Ó soberano, são 18.446.744.073.709.051.615. Ou seja, é o mesmo que 2 elevado à potência 64 menos 1... A recompensa do Inventor do Xadrez deverá ocupar um volume aproximado de 12.000 Km3. Se o celeiro tivesse 4 metros de altura e 10 de largura, o seu comprimento teria que ter 300.000.000 de quilómetros, ou seja, o dobro da distância que separa a terra do sol.

Xeque-mate! O que tem haver essa história com o an passant? Nada. Um absurdo eu ter obrigado vocês a lerem...
A proposito, a primeira figura faz parte de um quadro gigantesco do M.C. Escher. Quem quiser ver na íntegra procure por "Metamorfose 3"